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29 de julho de 2014

Saga alemã



A flor desenhada a duras penas no pedaço de couro trazido pelo tropeiro, e que agora seu unia a madeira, poderia ter ficado melhor. Talvez mais parecida com as da bem cuidada floreira da janela do quarto de sua mãe. Mas talvez o tamanco que acabara de concluir não fosse do gosto da pretendente. Ou o pior. As distintas religiões de seus pais talvez não permitissem a aproximação deles. Ao menos durante o ofício, as agruras da vida dura na colônia, haviam amenizado. Se não fosse agora, seria depois. Mas haveria de constituir uma família, para dar sequência a saga dos primeiros....

Que começou às margens do Rio dos Sinos em um 25 de Julho, talvez frio como foi esta última sexta-feira. Está fazendo 190 anos que um grupo de germânicos de diferentes províncias, aportou no que hoje é o centro de São Leopoldo, para fazer história no sul do continente... Os que sobreviveram à dura travessia oceânica e o sinuoso rio, ainda tiveram que abrir mato com os poucos recurso que tinham, para se estabelecer plantando o que dava em um solo totalmente novo... E veio o comércio com os gaúchos, e as cidades com suas cassas de comércio e suas igrejas. E as festas com suas músicas e cores. E flores. Chegando a uma indústria criativa que hoje vai muito além do couro e do calçado. Em uma verdadeira nação, de disciplinada gente de rosto rosado. A madeira do mato que caiu, para dar lugar às primeiras plantações, serve para erguer as primeiras casas em seu inconfundível tramado enxaimel. Com o desafio vencido de por comida na mesa e paredes de pé, as cortinas rendadas e as flores coloridas foram chegando nas janelas a mostrar que havia algo diferente naqueles vales. 

E o espírito de união familiar se fortaleceu com a presença de duas correntes religiosas nem sempre unidas como a comunidade.Com templos espalhados em todos os cantos, católicos e protestantes, orientaram e orientam seus fiéis em cultos e missas, de Taquara a Santa Cruz, passando pela agitada Novo Hamburgo. Sinos, relógios, órgãos e coloridos vitrais, representam nestes ícones sociais, a fé e o respeito às instituições. Mostrando ainda,  uma grande capacidade construtiva materializada no complexo estilo gótico. Apesar de que lá no Ferrabraz, uma terceira via com outras filosofias ousou enfrentar as duas doutrinas, resultando em um capítulo triste em uma história de construção. Mas por trás da rigidez dos cabelos claros, há um povo alegre que não se furta a rodar vestidos coloridos ao som do trompete das bandas folclóricas, em uma tarde qualquer de céu azul. A bávara festa de Outubro, regada a muita cerveja, toca os corações dos descendentes e dos visitantes. Os desfiles nas ruas principais de Santa Cruz do Sul ou Igrejinha, são um convite para a comunidade se ver em uma espécie de espelho. Que reflete sua história de amor ao trabalho dedicado, e a arte trazida do norte da Europa.E essa história segue sendo construída a cada jornada, com um sentimento de dever cumprido permeando no sangue de cada um que tem antepassados que falam a língua alemã. Desde os que ainda conduzem um carro de boi a transportar o resultado de uma colheita farta, até os que criam novas cores, que enfeitarão a moda do couro da próxima estação.  
 
E o mesmo capricho e a mesma inspiração, usados para enfeitar os pés de mulheres do mundo inteiro, se faz presente em outros segmentos de indústria, comércio e serviços, de uma região onde a qualidade de vida é, como o trabalho, extremamente valorizada. Sempre preocupados com o que os cercam, seus olhos quase sempre azuis são vigilantes no cuidado da família, e do lar. Estendendo-se a sua comunidade e seus espaços de convívio. E isto fica muito claro nos canteiros floridos das simpáticas cidades do interior como Nova Petrópolis ou Ivoti. Isolados muitas vezes pela dureza de um passado de poucas tecnologias, e por falar um língua tão distante aos que o cercavam; foram erguendo suas sociedades frente a olhares curiosos, e muitas vezes preconceituosos. Principalmente pelo que acontecia na pátria-mãe nas guerras do século XX. Mas a integração com os demais ocupantes das planícies, vales e serras deste pedaço da América, foi avançando e derrubando barreiras, como não podia deixar de ser. E as marcas e ícones foram ficando de referência de um passado que ainda merece ser devidamente descoberto e valorizado, como toda a história do continente. As comemorações da data de sua chegada, buscam homenagear esta saga de homens e mulheres, acima de tudo, corajosos. Que atravessaram um vasto e perigoso oceano para deixar um legado.